Malha fiscal digital e SST: atenção ao ruído ocupacional
4 de dezembro de 2025

Quando a Receita Federal lança um novo direcionamento, o sinal de alerta acende imediatamente para quem cuida de folha, SST e compliance. E foi exatamente isso que aconteceu em 15 de outubro de 2025, com a publicação da orientação sobre a revisão de declarações de pessoas jurídicas pelo parâmetro 50.006 – “Adicional GILRAT”.
Esse parâmetro mira uma dor conhecida, mas nem sempre percebida no dia a dia: a possibilidade de insuficiência no recolhimento do adicional ao GILRAT (antigo SAT) quando há empregados expostos a ruído acima de 85 dB(A). Na prática, é a Receita dizendo: “se existe exposição especial e isso não aparece na sua tributação, vamos revisar com lupa.”
Para quem atua na interseção entre SST, folha de pagamento e área tributária, o recado é claro: o tema não é só saúde ocupacional. Ele transborda para obrigações previdenciárias e fiscais. Ou seja, pode gerar questionamentos, autuações e custos se a empresa não estiver com tudo alinhado.
Por isso, nós do Madu Saúde – especialistas em software de Medicina e Segurança do Trabalho
– preparamos esse artigo, com todas as explicações que você precisa. Confira!
O que está sendo fiscalizado?
Segundo o documento da Receita:
- Identificou-se, por meio da análise do evento S-2240 – Condições Ambientais do Trabalho – Agentes Nocivos (módulo SST do eSocial), que em empresas tinham trabalhadores expostos ao agente físico ruído, em níveis superiores a 85 dB(A).
- Contudo, não foi constatado o recolhimento integral do adicional ao GILRAT incidente sobre a remuneração desses trabalhadores.
- A Receita está cruzando as informações do eSocial (S-2240) com o envio dos eventos de remuneração (S-1200) e as obrigações tributárias/previdenciárias (via DCTFWeb) — de forma automatizada.
Portanto, se na empresa, via eSocial, o agente nocivo ruído estiver declarado e houver vínculo com evento de remuneração, mas não houver adequada base de recolhimento para o adicional, poderá surgir aviso da malha fiscal pelo Portal do e-CAC.
Fundamento técnico e jurídico para SST
O Decreto nº 3.048/1999 e o Anexo IV desse Decreto consideram o agente físico “ruído” como nocivo, quando em níveis superiores aos limites legais (no caso citado acima: 85 dB (A)). A regra da Receita aponta que:
“O agente físico ruído, quando em níveis superiores a 85 dB(A), é considerado nocivo à saúde … ensejando aposentadoria especial após 25 anos e, portanto, a alíquota básica do GILRAT deve ser acrescida de 6%.”
Eficácia de EPI
Uma das grandes questões técnicas é a seguinte: a empresa pode alegar que o agente foi neutralizado ou reduzido por meio de Equipamentos de Proteção Individual (EPI) ou medidas coletivas?
A Receita afirma que, no caso de ruído acima do limite tolerável, o uso de EPI não descaracteriza o tempo especial. Também aponta que, para fins do adicional, a neutralização plena não poderia ser presumida apenas pelo EPI.
Enquadramento jurídico-tributário
O instrumento jurídico que a Receita utiliza para fundamentar essa leitura é o Ato Declaratório Interpretativo n.º 2/2019. Conforme artigos de especialistas:
- A partir dele, a Receita passou a sustentar que, para fins de adicional do GILRAT, o ruído seria um agente que não pode ser integralmente neutralizado por EPI.
- A controvérsia se dá porque essa interpretação toca em temas relativos à eficácia técnica das medidas de proteção, à verificação real da exposição, ao laudo de higiene ocupacional, ao LTCAT, à compatibilidade com a jurisprudência (ex. ARE 664.335/SC, Tema 555 do Supremo Tribunal Federal) etc.
Impactos práticos para as empresas e para a SST
Para os profissionais de SST, higienistas ocupacionais e para os gestores tributários das empresas, os impactos são diversos:
- Risco de passivo tributário/previdenciário: caso constatada exposição a ruído > 85 dB(A) e não recolhimento do adicional do GILRAT, a empresa pode receber aviso de malha, ou mesmo autuação posterior, com cobrança dos valores devidos, juros, multas.
- Integração SST/Tributário: a SST deixou de ser apenas um tema técnico-interno; a informação declarada no eSocial (S-2240) tem repercussão direta na folha/remuneração (S-1200) e nos recolhimentos via DCTFWeb. A interdisciplinaridade entre higiene ocupacional, segurança do trabalho, contabilidade/tributário, jurídico ficou mais forte.
- Revisão de processos internos:
- Verificar se todos os trabalhadores expostos ao ruído foram corretamente declarados no eSocial (S-2240) com os dados de medição, agente, valor, etc.
- Verificar se a remuneração destas pessoas foi adequada no evento S-1200, e se a base para cálculo do adicional está ser recolhida.
- Verificar se os laudos técnicos (LTCAT, relatório de ruído, Nível de Exposição Normalizado — NEN) estão consistentes.
- Documentar adequadamente as medidas de controle (EPC, EPI, organização do trabalho), para eventualmente defender a neutralização ou justificar a não aplicação de adicional, se for o caso.
- Decisão de autorregularização: o aviso da MFD traz como vantagem de autorregularização o pagamento ou parcelamento com acréscimos legais, sem aplicação de multa de ofício (art. 44 da Lei 9.430/1996) se feito no prazo indicado. No entanto, a empresa deve avaliar cuidadosamente antes de aderir: isso implica reconhecer a obrigação e regularizar o recolhimento, o que pode gerar custo repetitivo (todos meses/anos) caso a exposição persista.
- Fortalecimento da estratégia de SST: esse movimento da Receita amplia a exigência de que a SST atue com robustez documental e técnica, não apenas para segurança do trabalhador, mas para compatibilidade com obrigações fiscais/tributárias.
Conclusão
A atuação recente da Receita Federal por meio da Malha Fiscal Digital (Parâmetro 50.006) torna claro que a área de SST — especificamente a questão da exposição a ruído ocupacional — ultrapassa o âmbito exclusivo de proteção do trabalhador para assumir implicações diretas em obrigações tributárias e previdenciárias.
Profissionais de SST, higiene ocupacional e gestores das empresas devem ver esse cenário como um chamado à integração entre técnica, compliance e tributos, assegurando que:
- As declarações no eSocial estejam corretas;
- Os laudos e medições estejam tecnicamente fundamentados;
- Os recolhimentos que eventualmente sejam devidos estejam realizados;
- A empresa tenha estrutura documental adequada para demonstrar neutralização ou não exposição, se for o caso.
Conheça as autoras:
Marivane Mosele
Técnica em Segurança do Trabalho e Engenheira de Segurança do Trabalho, atuando na área de SST há mais de 14 anos. Atualmente é consultora técnica do Software Madu Saúde, contribuindo com a criação de conteúdos técnicos e oferecendo suporte à equipe de programação e aos clientes em assuntos relacionados à Segurança do Trabalho.
Flavia Noal
Flavia é jornalista com 15 anos de experiência em reportagem, produção de programas de rádio e assessoria de imprensa. Atualmente, é produtora de conteúdo da com atuação voltada a assuntos da área de Recursos Humanos, Departamento Pessoal e SST.




